O desconhecido lado humano em Freud: em nós
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por Émily Albuquerque
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Desde a abertura da série, o contraste.
A luz e sombra no rosto de Lenore, a primeira personagem que aparece.
O não dizer dentro da atuação dos desejos de Lenore nos acompanha até o final da série. E que companhia! Dentro de si, ela encoberta e denuncia o principal personagem:
Freud. Mas, qual Freud?
O detetive, o charlatão ou o viciado? Quais faces de Freud, de Lenore e outros personagens são reveladas?
Aparentemente, o que não se deixa por revelar no primeiro encontro. Aquilo que não se pode ver ou dizer. Talvez, ainda.
E então, mais uma vez: o contraste. Mas, que contrastes, contradições seriam essas?
De uma Viena relutante no século XIX, esmagando a Hungria? Assim como alguns homens esmagando as mulheres? Esquartejando-as, enfiando a faca diversas vezes.
Cortes, ou melhor, re-cortes até essa altura da série quase indigestos a ponto de ser tentador parar de assistir. Como muitos cavalheiros o fizeram no primeiro discurso proferido por Freud.
Ver tantos contrastes, falácias, discordâncias… Talvez, se ficássemos apenas nas bibliografias, no estudo das histéricas dentro da própria fantasia, na própria casa…
O problema é que dentro da própria casa, fica difícil de se ver. Como diz Freud nesse primeiro episódio:
“o consciente é uma luz solitária. Uma vela ao vento. Ela cintila. Às vezes aqui as vezes acolá. Todo o resto está nas sombras. Todo o resto está no inconsciente.”
Abrir-se para o desconhecido, para a arte, tem disso. De se assustar com o horror do outro, ou melhor, de si mesmo.
Ver Freud investigando-(se) é esbarrar com os outros cômodos da casa: nichos, corredores, escadas e portas.
Esse é o des-encontro com o outro, com seus (nossos) vícios em cocaína, dores pulsantes no corpo, pensamentos oníricos. Os desejos mais ‘sombrios’. O tempo todo.
A guerra, o nu, o cheiro e o sangue que escorre. Esses e muitos reais ultrapassam os limites dos métodos da hipnose.
Freud vê e se des-cobre às sombras do Iluminismo. Nós: às sombras da ficção, quase teatral.
Seja pelo incômodo da hipnose e do misticismo. Pelo horror que a arte causa, pela negação do vício de cada um que alimenta a vida vivida.
Não passando de formas de afastamentos de si. E deixar de assistir, de olhar para esse outro não impede que tais in-cômodos da própria casa dancem na nossa escuridão.
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Émily Albuquerque é psicóloga clínica CRP 08/024208, mestra em Subjetividade e Práticas Sociais na Contemporaneidade pela UEM. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica Contemporânea e professora de teoria e prática psicanalítica na UniFCV.