O enclausuramento da diferença
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Os transtornos mentais sempre foram alvo de curiosidade e preocupações. O que se faz com alguém que não se encaixa na sociedade, nas normas?
O livro o Alienista conta um pouco sobre essa curiosidade da ciência para com a loucura, e nos faz pensar nessa diferenciação do que é patológico e o que não é, como definir e rotular o normal e o patológico? Durante séculos, especulações e teorias sobre os transtornos mentais foram feitas. Hipócrates, pai da medicina, por exemplo, acreditava que o cérebro ao receber uma quantidade exagerada de calor, frio ou umidade provocaria a loucura, já Cicero (106-43a.C), dizia que o homem quando aceita as origens psicológicas e sociais de sua doença mental, pode curá-la. Sorano (93-139 d.C), estudioso das idéias de Hipócrates, considerava que algum problema orgânico poderia causar um transtorno mental, o mesmo não deixava de enfocar que esses pacientes deveriam ter um atendimento, e necessitavam de um local onde pudessem ser tratados.
Com a “Idade das Trevas” temos uma longa e penosa condenação, pessoas com transtornos mentais geralmente eram ligadas ás questões religiosas, sendo colocadas no lugar de possuídas e sendo condenadas a queimar na fogueira e a sofrer um exorcismo. Com o advento da sociedade moderna, o exorcismo e a fogueira perdem espaço e os asilos ganham essa função de recolhimento, na verdade não apenas de louco, mas sim de qualquer pessoa que não se encaixasse no contexto social da época. O isolamento a partir dessa época passa a ser a principal medida terapêutica adotada, com nomes diversos: manicômio, hospício e hospital psiquiátrico. A função da reclusão e isolamento, no inicio, era proteger as pessoas com transtornos mentais, porém, ao longo do tempo essa função se desfez e esses lugares passaram- se a ser verdadeiros laboratórios, onde pessoas são tratadas de forma desumana.
Machado de Assis (1839-1908) em sua obra intitula “O Alienista”, um clássico que se passa no séc. XlX, mostra até onde vai a ciência em busca de respostas para a definição de loucura e normalidade. O livro conta a história de um médico, o alienista, que seria doutor, o mesmo com o alvará dos governantes inaugura um local para estudo e tratamento de pessoas com transtorno mental na cidade, a chamada Casa Verde. O alienista convence os governantes com o argumento de que é pela ciência, sendo assim, ele começa sua pesquisa para descobrir a loucura e a tratá-la. Tinha como critério de diagnostico a razão, ou seja, tudo que não lhe parecia racional, ou o que não havia sentido na sua percepção, ele patologizava. Diversos foram os casos que trouxeram indivíduos a casa verde, por exemplo, Costa era um homem que havia herdado muito dinheiro, e o mesmo emprestava dinheiro a todos, mesmo sabendo que não o pagariam. O Alienista vendo que isso não tinha razão o recolheu a casa Verde. Da mesma forma muitos foram recolhidos, todos com o mesmo critério de julgamento, a razão. Algumas revoltas provindas da população da cidade aconteceram, porém o Alienista justificava afirmando que os mesmos não entendiam de ciência.
Levando em consideração o contexto epistemológico da época em que o livro foi escrito, muita coisa acontecia no Brasil. A psiquiatria era a maior autoridade em loucura, e os hospitais psiquiátricos brasileiros deixaram de ser responsabilidade de religiosos e passaram a ser responsabilidade dos médicos, e com seu discurso “tudo pela ciência” usaram “loucos” como ratos de laboratórios, testando seus tratamentos em pessoas que jamais poderiam ser ouvidas: lobotomia, eletro-choque, até mesmo uma boa surra pra aprender a ser normal, ou agir de forma normal. A questão é que a maioria das pessoas que se encontravam internadas nos manicômios da época eram “normais”, sendo o manicômio deposito de pessoas que não se encaixavam em sociedade, a qual a mesma estava voltada para a higienização das cidades.
Concluímos então, que Machado de Assis trouxe com sua obra um critica a definição de loucura e nos faz refletir no que realmente é normal, e o quão normal nós somos. Afinal, questiona-se, se esse mesmo pensamento que enclausura as diferenças ainda fosse tradicional, você estaria livre?
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Amanda Galvão Siqueira. Cursando psicologia na PUCPR e voluntária na Comunidade Social Cristã Benificente Dr. Osvaldo de Mandaguari.