Mal-estar nas comunidades
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por Millene Zanoni Dias
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Sabe-se que a necessidade de relações humanas mais estreitas é uma das principais causas da busca por um senso de comunidade e vida coletiva. Nos dias atuais existe uma certa ilusão de infinitas chances de liberdade; livre para ser quem quiser e fazer o que quiser. Ao mesmo tempo, tem-se a ânsia de se pensar nessa liberdade, que pode trazer incômodo – como no Mito da Caverna (Platão, 381 a.C.) onde, diante da chance de ser livre, o homem escolhe continuar vivendo na ilusão, que lhe parece mais segura. É nesse ponto que percebe-se, no mundo moderno, uma angústia causada pela contraposição da liberdade do individual e da segurança do coletivo. Diante disso, em um mundo contemporâneo onde se vê cada dia mais o cuidado com os ecossistemas, apresento aqui um modo de vida ainda não tão conhecido, mas muito interessante de se pensar: as ecovilas. Apoiadas pela ONU, são comunidades de desenvolvimento sustentável com a intenção de uma vida comunitária com estruturas de convivência, trabalho e moradia que respeitem e causem o menor impacto possível na natureza. Nas ecovilas, entende-se que a harmonia e o equilíbrio se dão na troca e na interdependência, já que todos os sistemas são interconectados. O sociólogo alemão Tönnies (1947) explica ‘relações comunitárias’ colocando-as como opostas às ‘societárias’ – formadas por laços sociais. Para enfatizar a diferença, utilizo os termos originais em alemão – Gemeinschaft e Gesellschaft. As societárias vão além da vida social em conjunto com ligação puramente animal, elas são consideradas comunidades de espírito e estabelecem ligações através da afinidade mental (BRANCALEONE, 2008). Pensando no fato de que – cito aqui a frase possivelmente mais falada na teoria Histórico-Cultural – o homem é um ser social, as ecovilas podem ser entendidas partindo da visão de “paraíso” de Bauman, ou ainda da Utopia de Morus.
A comunidade se torna um lugar de sistemas igualitários, plena harmonia e intenções voltadas ao bem geral. Diante da busca dos homens por essas alternativas de vida harmônica que supostamente contemplam todos os aspectos de necessidade social humana – agregando ainda as relações ambientais – um ponto importante a ser entendido é que, nessa relação, um imaginário de comunidade ideal pode ser criado. Ter essa percepção de mundo bom, justo e seguro perante as possibilidades concretas existentes no mundo real contemporâneo é o que pode levar o homem a uma busca incessante pelo ideal, que se desdobra em um profundo mal estar. A comunidade, aqui, traz a sensação de segurança e pertencimento, onde ninguém se sente sozinho e existe acolhimento, tornando a vida comunitária “o tipo de mundo que não está, lamentavelmente, ao nosso alcance – mas do qual gostaríamos de viver e esperamos vir a possuir” (BAUMAN, 2001. p. 9).
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REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BRANCALEONE, Cassio. Comunidade, Sociedade e Sociabilidade: revisitando Ferdinand Tönnies. [PDF]. Revista de Ciências Sociais (RCS). Ceará, v. 39. n. 1, 2008.
MACHADO, Matheus Oliveira. A comunidade dos clássicos e a nova comunidade: um estudo da organização de Ecovilas. [PDF]. Dissertação (Mestrado em Administração). Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2018.
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Millene Zanoni Dias é Graduanda do 6º período de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).