Arteterapia e o trabalho com a fotografia
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por Bruna Bardi Gonçalves
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Nos dias de hoje, felizmente frisa-se e reflete-se muito mais a respeito da importância do cuidado da saúde mental e a busca pelos mais diversos tipos de terapia aumentou significativamente em nossa sociedade. Porém, ainda pouco ouvimos falar sobre arteterapia e seus benefícios são desconhecidos por boa parte da população.
A arteterapia é um método terapêutico que utiliza as artes como meio de expressão não verbal, favorecendo assim a exploração e comunicação de conteúdos do sujeito que possam estar inconscientes. Elementos da pintura, da música, do teatro, da escrita, da fotografia e dos mais variados recursos artísticos são usados para catalisar sentimentos e proporcionar ao indivíduo condições para que ele possa externalizar tudo o que o impede de desenvolver melhor o seu autoconhecimento. É um recurso de grande significância, pois permite que o paciente exteriorize questões para além da sua linguagem oral e trabalhe conteúdos que a sua psique dá forma quando eles não são possíveis de serem expressos em palavras.
O trabalho com a fotografia é ainda menos explorado na atualidade, mas não menos fascinante por isso: a imagem vai muito além do ato de copiar a realidade; ela traz consigo a subjetividade de cada um quando é interpretada a partir da percepção e dos sentimentos de quem enxerga. Ela reflete emoções e também guarda em si momentos e memórias. Nesse sentido, podemos pensar na potência fotográfica para fins de expressão e reflexão e como ferramenta importante nos tratamentos psicoterápicos, auxiliando o surgimento de conteúdos que possam estar reprimidos e inconscientes no indivíduo.
Existem variadas maneiras de intervir com a fotografia no processo terapêutico, seja na utilização de imagens atuais ou antigas que configuram certa significância afetiva para o paciente, tendo como propósito a invocação de lembranças, sentimentos e crenças, para que este possa superar traumas e elaborar lutos, seja na produção de imagens em que o sujeito permite a comunicação entre seu mundo interno e externo, seja no trabalho da sua autoimagem para recuperar sua autoestima e melhorar seu relacionamento interpessoal.
Partindo desses estudos de forma aprofundada, experiências pessoais e inspirações de vida, criei um projeto de arteterapia que intitulei “Eu Sou Meu Próprio Lar”. Este consiste em um grupo terapêutico feminino que envolve a fotografia como forma de terapia, tendo como objetivo das sessões em grupo trabalhar questões relacionadas à autoestima, autoaceitação e autoimagem, abrir espaço para discussões, questionamentos e reflexões acerca da sociedade em que estamos inseridas, tratar temas que emergem como transtornos alimentares,
depressão, violências físicas e psicológicas, relacionamentos abusivos e diversos outros que deixam marcas no psiquismo humano, e após realizados os encontros grupais, acontece um ensaio fotográfico individual com cada uma das participantes no ambiente em que desejarem e da maneira que se sentirem mais confortáveis, prezando sempre pelo respeito à individualidade e subjetividade das integrantes.
O projeto surgiu em setembro de 2018 com o intuito de proporcionar espaço para o acolhimento do sofrimento das mulheres, para a troca de experiências entre as participantes, para o compartilhamento de sentimentos entre elas, para a possibilidade de identificações internas e um maior contato de cada uma com seu próprio corpo e feminilidade. Apesar de cada grupo ser único e dos conteúdos trabalhados serem diversos, posso afirmar que o impacto da rede de apoio feminina é sempre muito positivo na vida das participantes, além do ensaio fotográfico ser uma possibilidade de ressignificação da relação corporal, de resgate do valor mais profundo do corpo que foi reprimido por tanto tempo e de contribuição no processo de autodescoberta e autoaceitação quando possibilita a atribuição de significado à imagem.
Digo que o corpo é a expressão do mundo interno do indivíduo, que faz em si lugar privilegiado de expressão, não existindo vida psíquica que não o suponha. Ele não se reduz às atividades físico-químicas, mas a expressão complexa da atividade psicológica e simbólica humana. Na produção das fotografias, muitas vezes as poses não são apenas poses, são falas do corpo. Em uma cultura como a nossa, onde há um exagerado enaltecimento das aparências e reforçamento da padronização dos corpos, este projeto se torna relevante quando proporciona uma melhora no processo de aceitação da imagem e da história dos sujeitos e uma aproximação da subjetividade e modelo particular de vivenciar a relação corporal nos mesmos.
Com o despertar de consciência individual sobre este tema, se tornam cada vez mais possíveis as transformações coletivas na sociedade. Gosto de citar Clarissa Pinkola Estés, em um trecho de seu livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, para explicar a dinâmica do meu projeto: “Uma mulher não pode tornar a cultura mais consciente apenas com a ordem de que se transforme. Ela pode, no entanto, mudar sua própria atitude para consigo mesma, fazendo com que projeções desvalorizadoras simplesmente ricocheteiem. Isso ela consegue ao resgatar seu corpo. Ao não renunciar à alegria do seu corpo natural, ao não “comprar” a ilusão popular de que a felicidade só é concedida àqueles de uma certa configuração ou idade, ao não esperar nem se abster de nada e ao reassumir sua vida verdadeira a plenos pulmões, ela consegue interromper o processo. Essa dinâmica do amor-próprio e da aceitação de si mesma são o que dá início à mudança de atitudes na cultura.”
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Bruna Bardi Gonçalves é Psicóloga (CRP 08/27184), Fotógrafa, cursando especialização em Arteterapia. Ig profissional: @artedoscorpos