Mal-estar nas redes sociais
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por Lívia Batista Pereira Larranhaga
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Curtidas, visualizações, compartilhamentos, número de seguidores, follow, unfollow: essas são algumas das palavras que passaram a fazer parte da nossa vida de uns anos para cá.
Esses dias, eu estava conversando com uma pessoa sobre algo desagradável que ela estava passando em virtude das redes sociais. Em determinado momento, ela me disse: se não existisse Instagram nada disso teria acontecido.
Naquele momento da conversa, lembrei de um dos trechos que eu mais gosto do texto ‘Mal-estar na civilização’. Ao falar sobre o avanço tecnológico das últimas décadas, lembrando que o texto é de 1930, Freud afirma que apesar da grandiosidade desse progresso, ele não deixou os homens mais felizes.
Faço minhas, as palavras de Freud: “Não é um positivo ganho de prazer, um inequívoco aumento na sensação de felicidade, se sou capaz de ouvir a qualquer momento a voz do filho que mora a centenas de quilômetros de distância, se logo após o desembarque do amigo posso saber que ele suportou bem a longa e penosa viagem? Não significa nada o fato de a medicina haver conseguido reduzir extraordinariamente a mortalidade dos bebês, o perigo de infecção nas mulheres que dão à luz, e prolongar consideravelmente a duração média de vida do homem civilizado? E a esses benefícios, que devemos à tão vilipendiada era do avanço técnico e científico, pode-se ainda acrescentar toda uma série. — Mas aqui se ergue a voz da crítica pessimista, lembrando que a maioria dessas satisfações segue o modelo do “prazer barato”, que é louvado numa certa anedota. Ele consiste em pôr fora da coberta uma perna despida, numa noite fria de inverno, e em seguida guardá-la novamente. Não havendo estradas de ferro para vencer as distâncias, o filho jamais deixaria a cidade natal, não seria necessário o telefone para ouvir-lhe a voz. Sem os navios transatlânticos, o amigo não empreenderia a viagem, e eu não precisaria do telégrafo para acalmar minha inquietação por ele”, Freud (1930), p. 286.
As redes sociais, assim como as ferrovias, o telegrama e as viagens transoceânicas, proporcionaram um ganho, mas não um aumento da felicidade. A anedota do prazer barato encaixa muito bem aqui. A curtida ou a visualização que recebemos é como aquele momento passageiro de colocar a perna para fora do cobertor e depois recolhê-la. Isso me lembra uma cena da minha infância. Eu adorava tomar banho na ducha gelada e depois pular na piscina. A sensação da água quente da piscina era provocada pela diferença de temperatura, ou seja, era um efeito de uma passagem de um estado mais frio para um menos frio. Mas isso não queria dizer que a água da piscina estivesse quente, ela apenas estava menos fria.
As redes sociais seguem a mesma lógica. Uma curtida pode provocar a sensação momentânea de uma aprovação apenas pelo simples fato de contrastar com o momento anterior a ela: o da não curtida. Isso também poderia ser válido quando alguém nos exclui de sua rede. O curioso é que a sensação de prazer por uma curtida dura muito menos do que o desprazer de ser excluído de um perfil.
É o prazer barato que indica uma passagem para um estado menos desprazeroso e nos ilude com a sensação de que ali a água é mais quente. Talvez o mal-estar nas redes sociais consista nessa sensação: não é que a água seja mais quente. Ela é apenas menos fria.
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Lívia Batista Pereira Larranhaga é psicóloga. Atuação na área clínica. Graduada e mestra pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). CRP: 13426
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