A maioria das pessoas aprende que se nasce com uma diferença essencial entre homens e mulheres, pautada pelos seus sexos biológicos. Desde o útero, no ultrassom, já está demarcado se o/a bebê será menino ou menina, a partir da visualização da sua genitália. Dessa forma se darão as marcas de gênero no corpo da criança, sendo elas físicas e psíquicas; demarcadas a partir das vestimentas, dos brinquedos e brincadeiras, da maneira que se lida com esta criança e lhe coloca expectativas sobre ser homem ou mulher, numa situação binária, correspondente ao que se espera socialmente.
Essa percepção, porém, modificou-se ao longo do tempo e das culturas. A concepção atual de que há dois sexos diferentes (macho e fêmea) surgiu apenas no século XVIII, anteriormente prevalecia o monismo sexual, a ideia de que há um único sexo. Com registros datados do século II, nos tratados de Galeno, para quem o sexo feminino era um subdesenvolvimento do sexo masculino, o órgão genital feminino (vagina) seria um órgão genital masculino (pênis) incompleto, ou seja, entendia-se que mulheres eram homens imperfeitos (LAQUER, 2001).
O conceito de gênero existe no meio científico desde meados do século XX, a partir das considerações de John Money (1955) acerca dos papéis construídos socialmente para homens e mulheres. Ele apontou gênero como um conjunto de características que definem diferenças sociais entre homens e mulheres; diferenciando esse conceito de sexo biológico e evidenciando que, nem sempre, as expectativas sociais relacionadas às pessoas nascidas com determinadas configurações biológicas (femininas ou masculinas) redundará na identificação com certo gênero (homem ou mulher), conforme demonstra Berenice Bento (2006, 2008), em seus estudos sobre a vivência transexual.
A expressão gênero, trabalhada por Louro (2009), Butler (1992) e outros/as pesquisadores/as, vem de encontro com as pesquisas sobre o início das teorias feministas, que se baseavam nela para defender perspectivas “desnaturalizadoras”. Em senso comum, associam fragilidade e submissão à mulher, o que ainda serve para justificar preconceitos e violências contra mulheres.
No Brasil é atribuído ao sexo um estatuto legal, de modo que no registro civil (certidões de nascimento, carteiras de identidade, crachás, nome na chamada escola, entre outros), utilizam-se dos nomes que foram atribuídos em relação ao sexo biológico. E o que dizer da população trans, neste sentido? Essa pertença, sentir-se uma pessoa que se quer ser, homens e mulheres trans, isso incorre em sofrimento e negação de direitos (JESUS, 2010). A (in)visibilidade das pessoas trans ainda é muito recorrente e em muitos espaços, tanto públicos quanto privados.
Por quais motivos isto ocorre? Seriam múltiplos, mas podemos atribuir ao preconceito, que ainda impera em todos os setores, sobre a pessoa se mostrar trans. Se a divisão binária ainda existe (masculino/feminino), pelo sexo biológico, que demarca os corpos e as pessoas que “transgridem” estas normas, como podemos mudar esta realidade?
De início, educar a população, desde a tenra idade, para que se aproximem das demarcações de gênero que temos em nossas vidas, e que são elas que nos engessam, nos aprisionam. Uma educação não binária e livre pode proporcionar liberdade de se mostrar e agir. Denotar que as pessoas merecem respeito e ser o que se quer ser, é uma questão de dignidade e alteridade! E todos/as merecemos!
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Eliane Maio é Graduada em Psicologia, Mestre em Psicologia, Doutora e Pós-Doutora em Educação Escolar. Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (UEM).
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Texto extraído do JPF edicação 34. Escreva pra gente! Mais informações em: https://institutopsicologiaemfoco.com.br/2019/10/21/escreva-pra-gente-2/